A ciência comportamental vem revolucionando o pensamento econômico nos últimos 40 anos. Uma série de pesquisas científicas demonstrou como os julgamentos e as decisões dos seres humanos se desviam sistematicamente daquilo que seria racional. Em determinadas situações as pessoas erram repetidamente e de forma previsível. O desvio da racionalidade ocorre tanto em decisões cotidianas quanto naquelas mais importantes e não poupa ninguém, incluindo consumidores, médicos, políticos ou administradores. Mesmo pessoas com alto nível educacional, que se consideram lógicas e racionais, não escapam dos vieses e armadilhas das decisões, que são inerentes ao funcionamento do cérebro humano. As ilusões cognitivas levam a julgamentos irracionais, mas que parecem razoáveis e até verdadeiros para quem os julga. O tema é tão surpreendente, consistente e relevante que já levou dois pesquisadores ao Prêmio Nobel de Economia: Daniel Kanheman, em 2002, e Richar Taller, em 2017.
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De forma geral, nosso cérebro é muito eficiente para tomar boas decisões em meio ao grande número de estímulos e de informações que recebemos o tempo todo. Pense nas dezenas de decisões que as pessoas tomam ao longo de um único dia: o que vestir, o que comer no café, para que lado ir na rua, quais produtos comprar no mercado, para onde ir nas férias - esses são apenas alguns exemplos das pequenas e grandes escolhas que fazemos diariamente. As decisões são tantas que a maior parte delas é tomada de forma automática. Para tanto, o cérebro se vale de um sistema sofisticado que usa simplificações e aproximações, sistema este que nos permite decidir rapidamente e acertar frequentemente. Refletir com cuidado sobre cada uma dessas situações, considerando todas as alternativas disponíveis e calculando os diferentes resultados prováveis, nos ofereceria uma taxa maior de acertos. Contudo, o gasto de tempo e energia mental seria paralisante, tornando inviáveis as mais simples tarefas do dia a dia.
A novidade da economia comportamental está na comprovação científica de que os julgamentos automáticos erram repetidamente. Por exemplo, um destino turístico que tem “90% de chance de não ocorrência de atentados terroristas” tende a despertar uma percepção mais favorável do que um destino com “10% de chance de ocorrência de atentados terroristas”, mesmo que ambas as descrições tenham conteúdos lógicos absolutamente idênticos. A tendência ao erro neste caso se dá pelo chamado efeito de enquadramento, um dos muitos vieses do sistema automático de pensamento já documentados na literatura científica.
As possibilidades de aplicação das descobertas da economia comportamental à gestão do turismo, e particularmente à compreensão do comportamento do consumidor de turismo, são inúmeras. Algumas pesquisas e soluções já têm sido desenvolvidas nos principais centros de conhecimento ao redor do mundo. No Brasil, o tema tem sido explorado por um grupo de pesquisadores da Universidade Federal Fluminense e da Universidade de São Paulo. Alguns primeiros resultados já aparecem e trazem consigo indicações importantes para os gestores. Por exemplo, uma pesquisa recente mostrou que os indivíduos tendem a gastar mais quando iniciam o processo de customização de um pacote turístico a partir da oferta de uma versão mais cara e completa do que quando iniciam a partir de uma versão mais barata e simplificada – mesmo que as alternativas de ambos os pacotes sejam exatamente iguais. Outra pesquisa mostrou que, quando expostos a um excesso de informações na montagem de um roteiro, turistas tendem a abrir mão da escolha de alternativas personalizadas em favor de alternativas padronizadas. Há, ainda, um terceiro estudo sobre os vieses de julgamento associados à percepção de justiça da gestão de receitas e da precificação dinâmica de serviços.
No exterior, pesquisadores da economia comportamental aplicada ao turismo têm pesquisado temas diversos. Um projeto de grande relevância foi desenvolvido na Universidade de Queensland, na Austrália, mostrando formas de tirar proveito dos vieses cognitivos dos turistas em favor da sustentabilidade. A pesquisa, que virou até uma palestra na plataforma TED , apontou alternativas para economias substanciais com a limpeza de quartos de hotéis, a lavagem de toalhas e a preparação de refeições.
Mas existem muitas outras implicações da economia comportamental para o turismo ainda a serem pesquisadas. A seguir são listadas algumas das principais:
● Ancoragem e ajuste: influência do preço original da oferta de um produto turístico desconhecido pelo consumidor sobre o valor final da negociação. Pesquisas sobre outros tipos de produtos apontam que o valor final tende a não distar muito do preço inicial, por mais que o preço original não seja realista.
● Disponibilidade: apesar de mais seguro, o transporte aéreo tende a ser percebido como mais arriscado em razão da alta disponibilidade das memórias de acidentes aéreos.
●Insensibilidade ao tamanho amostral: o julgamento intuitivo de uma probabilidade não é corretamente afetado pelo número de casos observados. Isso favorece a criação de estereótipos a partir da pequena experiência que o turista tem com o destino visitado.
● Priming: ativação de uma categoria mental pela exposição discreta de exemplares dessa categoria (números, cores, marcas). Essa ativação influencia os julgamentos e comportamentos dos indivíduos sem que eles estejam cientes dessa influência. Um exemplo é a escolha de restaurantes no destino, a qual pode ser inconscientemente influenciada pela exposição à marca do estabelecimento na ponte de desembarque do aeroporto.
● Ilusão monetária: é a tendência que os indivíduos têm de pensar em valores monetários nominais ao invés de valores reais. Turistas tendem a gastar mais em destinos com moedas nominalmente depreciadas, independentemente do valor real dos produtos e serviços.
● Efeito Ikea: pessoas atribuem maior valor a algo que ajudaram a construir, como acontece quando o indivíduo se envolve na montagem de um móvel ou se engaja em um projeto de cocriação. Isso explica a importância da cocriação de experiências turísticas.
A relevância da economia comportamental e as perspectivas de novas estratégias de gestão decorrentes de suas aplicações ao turismo tornam esse campo de pesquisa altamente instigante e promissor. A qualidade da experiência turística, por exemplo, pode ser aprimorada com a implantação de sutis mudanças em aeroportos, hotéis e espaços públicos, como indicam estudos desenhados para incentivar as pessoas na direção de comportamentos mais desejáveis. Contudo, encontrar soluções práticas inovadoras e ajustadas a cada caso concreto exige o encontro entre recursos, dados, métodos e experiência. O desenvolvimento do conhecimento nessa área não pode ocorrer sem a parceira entre gestores e pesquisadores. O futuro é mais promissor para quem reunir esses elementos em busca da eficiência e da competitividade.
*Este artigo foi escrito em co-autoria com a Prof. Verônica Mayer (Universidade Federal Fluminense) e o Prof. Glauber Santos (Universidade de São Paulo) e também está publicado na revista Turismo em Pauta da CNC, n. 38.
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