FLAVIA GOLDENBERG Brasil e Bangladesh: temos algo em comum?

O planejamento de alguns projetos sociais desenvolvidos nestes últimos tempos, me levou à reflexão sobre a dificuldade que a população carente enfrenta com a falta de orientação sobre como administrar suas despesas e receitas. Durante esta minha reflexão, algumas pessoas me perguntavam: “Para que orientá-los se eles não tem dinheiro?” Esta questão reforçou ainda mais minha preocupação e continuei a pensar o quão importante seria ajudar as pessoas de baixa renda a se organizarem fazendo o melhor uso de suas receitas e o melhor plano para suas despesas. Fiquei avaliando o quanto é fácil o acesso a essas informações quando se tem dinheiro. Basta ir ao banco onde se tem uma conta, ou procurar ajuda no meio acadêmico, ou até mesmo numa roda de amigos. Tornar a orientação financeira acessível a uma camada da sociedade que não tem dinheiro para investir seria, minimamente esquisito, afirmavam alguns. Lembrei de Muhammad Yunus, Prêmio Nobel da Paz de 2006, que implantou o microcrédito para as mulheres de Bangladesh. Mulheres totalmente excluídas da sociedade, numa situação de dependência crônica. O que lhes faltava era algo que interrompesse o círculo vicioso de uma quase escravidão, tornando possível uma participação econômica independente e justa. Para ilustrar o que quero dizer, cito Yunus em seu livro “O Banqueiro dos Pobres”, onde relata que Sufia, uma jovem de 21 anos, comprava bambu por 22 cents para tecer um tamborete. Ela comprava o bambu de um agiota que lhe obrigava a devolver o tamborete por 24 cents, ou seja, com um lucro de 2 cents tudo que Sufia podia fazer era comprar o mínimo pra comer. Se Sufia tivesse acesso a um crédito de 22 cents, este círculo se quebraria e ela poderia comprar o bambu, vendendo o tamborete por um preço muito mais interessante e justo. O que lhe faltava não era força de trabalho, afinal dedicava-se horas a fio trançando bambu. Era previsível que, na medida em que Yunus insistia e avançava com seus planos para o microcrédito, mais dificuldades encontrava. A estrutura tradicional de crédito no mundo está baseada na garantia do pagamento, e os pobres não possuem garantias para oferecer. Além disso, os bancos não admitiam conceder crédito a uma pessoa analfabeta. Afinal, elas não podiam preencher fichas, nem tão pouco assinar documentos. Yunus não se deteve diante dos obstáculos que eram muitos, pois tratava-se de num país onde 75% da população não sabia ler nem escrever, vivendo em uma pobreza extrema. Pois bem, num pensamento análogo imaginei que seria muito mais fácil ajudar pessoas a sair da miséria se lhes mostrássemos um caminho e as apoiássemos na busca de soluções financeiras. Pesquisando melhor o assunto percebi que a educação financeira estará em breve em grande evidência no Brasil, já existem programas interessantes germinando, inclusive por parte do governo brasileiro, como o Vida & Dinheiro que confirmam esta tendência. “Trata-se de um esforço que reconhece a educação financeira como ferramenta de inclusão social, de melhoria da vida do cidadão e de promoção da estabilidade, concorrência e eficiência do sistema financeiro do país.” Fonte: ENEF - Estratégia Nacional de Educação Financeira. Um exemplo interessante que devemos citar é o projeto do Instituto Bobbio, apoiado pela Bovespa, que tem como base facilitar o acesso à informação para fortalecer a democracia. O Instituto implementou uma ação para desmistificar a Bolsa de Valores entre a sociedade mais carente, tentando transformar o mercado de capitais, até hoje elitista, em um mercado mais democrático. Um mediador foi contratado para facilitar a comunicação entre a corretora e os clientes. Para isso, usaram o Bovmóvel, um furgão, uma espécie de bolsa de valores itinerante para levar o mercado de capitais mais próximo à população: em shoppings, praias, favelas e comunidades carentes. Num outro esforço de aproximação, alguns sindicalistas foram levados à Bolsa de Valores onde receberam orientações de como funcionava o mercado de capitais, numa tentativa de facilitar o acesso dos trabalhadores a este universo. Ao final, convidaram um sindicalista a participar do Conselho da Bolsa, tendo poderes iguais aos dos demais conselheiros. A Bovespa foi a primeira bolsa de valores no mundo a ter esta iniciativa - O curioso é que o comportamento parece se repetir, tanto em Bangladesh como no Brasil, no texto abaixo Izabella Ceccato comenta a evolução da Bolsa na direção dos pequenos acionistas, além de como a participação das mulheres parece se destacar neste cenário. Por Izabella Ceccato - “O avanço dos investidores individuais, entre eles pessoas físicas, começa a mudar o mercado de capitais brasileiro. Em marco, as pessoas físicas somaram 30,66% dos investimentos em ações. A participação dos pequenos investidores na Bolsa cresce mês a mês. Em outubro do ano passado, eles somavam 555 mil contas, alcançando o maior numero já registrado, mas a Bovespa quer muito mais e traçou a ambiciosa meta de chegar a 5 milhões de investidores individuais dentro de 5 anos. Esse nicho de investidores ganhou grande status após a crise, quando os estrangeiros saíram rapidamente do País e os investidores individuais ficaram na Bolsa. Com foco nesse perfil fiel, a grande empresa tem buscado aperfeiçoar sua comunicação com esse público criando sites, chats específicos e até ferramentas online para realização de assembléias de acionistas. Algumas delas já possuem até áreas de Relações com Investidores dedicadas. Com a forte entrada de pessoas físicas na Bolsa, a criação de clubes de investimento se destacou. Em 2009, a Bovespa já contava com 2904 clubes. Para os investidores individuais, se o objetivo for formar um capital no longo prazo – a idéia mais comum entre os investidores – o clube de investimentos é uma boa opção para os iniciantes. Ele pode ter entre três e 150 membros que em geral são amigos e familiares. Outro nicho que se destaca é o das mulheres. Em 2002 eram 15 mil investidoras, até o final de 2009 elas já somavam 123 mil, um aumento de 720%. Há até um clube para elas, o MulherInvest com 103 membros do sexo feminino. A fama das mulheres de que o dinheiro só se restringe ao consumo esta caindo por terra, principalmente com a entrada das jovens investidoras. As mulheres possuem disciplina para investir e um perfil muito parecido entre si: faixa etária de 30 anos, trabalham, cuidam sozinhas de seus investimentos e são conservadoras nas escolhas dos papéis. Para atrair mais investidoras a Bovespa criou um programa educativo chamado Mulheres em Ação".