Recentemente, tive a honra de participar de um evento marcante em Bali, Indonésia, organizado pela Associação Internacional de Intérpretes de Conferência. Este encontro, focado na interseção entre Inteligência Artificial (IA) e o mercado MICE (Meetings, Incentives, Conferences, and Exhibitions) proporcionou uma rica troca de ideias e insights sobre o futuro dessa profissão, com a participação de engenheiros de IA do Google, o visionário Seth Godin, e especialistas em diversas áreas da tecnologia, desde inovação e produto, passando por legal e compliance.
Bali, com sua atmosfera acolhedora e espiritualizada, foi o cenário perfeito para esta discussão. Após os dias de conferência, pude me conectar com a energia curativa da ilha, desfrutando da hospitalidade local, riqueza cultural e também da excelente conectividade – um lembrete de que tradição e tecnologia podem coexistir harmoniosamente. Mas vamos deixar o bleisure para o próximo artigo.
Arle Lommel, um engenheiro do Google responsável pelo Gemini (IA em desenvolvimento do Google) em painel ao lado de pesquisadores do Vale do Silício e Europa, destacou: “O verdadeiro medo não é a tecnologia, mas a falta de conhecimento sobre ela”. Esta afirmação ressoou profundamente entre os presentes, pois o clima no início dos painéis era de preocupação diante de uma iminente ameaça.
Compreensível. Como o escritor Gary Vee destaca. “Basta ver um post sobre o impacto da IA na força de trabalho, que em vez de pesquisar, passamos a resistir e podemos nos tornar excessivamente ideológicos”. Gary ainda recomenda que é essencial entender a IA e passar de uma postura defensiva para uma postura potencialmente ofensiva em relação ao uso dessas novas ferramentas.
Juntamente com meu amigo e tecnólogo da Dorier Group, David Granite, exploramos como a indústria MICE está adotando a IA. Em uma das demonstrações, pudemos conferir como uma conversa de feedback com um avatar poderia substituir os tradicionais formulários de pesquisa, gerando dados emocionais para os clientes, indo muito além dos tradicionais gráficos compilados que são gerados em avaliações pós-evento. Esse é apenas um exemplo de como a IA pode aprimorar e humanizar nossas interações.
No entanto, apesar de identificarmos diversas aplicações para inteligência artificial dentro e fora dos celulares, o resultado de nossos testes ao vivo mostrou que as IA’s disponíveis não conseguem realizar um bom trabalho, em tempo real, de tradução simultânea.
Os melhores resultados foram obtidos ao gerar VOZ para TEXTO. Mas ao gerar VOZ para VOZ em outro idioma, os sistemas demonstram latência e falta de precisão. Ou seja, seria impossível no momento em que este artigo é escrito, substituir um intérprete profissional em uma conferência médica, ou diplomática, por qualquer modelo de linguagem de grande escala (LLM).
De Bali para a CES2024 em Vegas
Enquanto estávamos em Bali, a startup Rabbit lançava na CES2024 em Las Vegas seu dispositivo de tradução automática em tempo real, chamado R1.
Segundo os desenvolvedores do gadget Rabbit R1, através de uma colaboração com a startup de IA Perplexity, o pager do futuro integrará IA conversacional baseada em respostas. Diferentemente dos modelos de linguagem de grande escala (LLMs), que só podem referenciar dados até uma certa data, o algoritmo no R1 será capaz de produzir "respostas atualizadas sem quaisquer limitações de conhecimento."
É notório que existe uma distinção entre o que é uma tradução rápida e o trabalho de um intérprete de conferência, pois mesmo com a promessa do Rabbit traduzir textos em tempo real e de maneira contextualizada, ele funcionará bem para pedir sua comida em uma viagem, ou te ajudará no aeroporto, mas não pode participar como intérprete em uma conferência em que se discuta política ou termos complexos da medicina.
Limitações: porque a IA não pode realizar o trabalho dos intérpretes atualmente
- Inacuracidade das Traduções: A IA, embora avançada, ainda enfrenta desafios em fornecer traduções precisas, especialmente em contextos complexos ou com linguagem figurativa.
- Perda de Nuances e Características do Idioma: Cada idioma possui suas próprias nuances, expressões idiomáticas e contextos culturais. A IA não consegue captar esses aspectos sutis, resultando em traduções que podem parecer genéricas ou desprovidas de significado cultural específico.
- Dificuldade com Humor e Linguagem Não Verbal: A IA não consegue interpretar corretamente o humor, ironia ou sarcasmo, bem como elementos não verbais da comunicação, que são cruciais para a compreensão completa de uma mensagem.
- Limitações de Datasets de Treinamento: A qualidade da tradução da IA depende em grande parte dos dados usados para treiná-la. Idiomas e dialetos com menos dados disponíveis resultam em traduções de menor qualidade, reforçando a desigualdade linguística.
- Latência na Tradução: A tradução em tempo real exige processamento rápido e sem atrasos. A IA atual não consegue fornecer traduções instantâneas, especialmente em situações de comunicação rápida e dinâmica.
Guardiões da Linguagem
Enquanto as empresas de tecnologia tendem a padronizar idiomas, ameaçando a diversidade cultural, os intérpretes de conferências têm um trabalho insubstituível, e chegaram a ser comparados por Seth Godin, durante sua fala de abertura, a um violinista virtuoso. Na ocasião, a entidade foi convocada a atuar como uma espécie de guardiã da linguagem, ajudando a construir uma tecnologia ética, por exemplo, rotulando e licenciando conjuntos de dados de qualidade para certos idiomas e dialetos minoritários, atuando como guardiões do patrimônio linguístico.
Em Bali, tive a oportunidade de demonstrar várias IAs ao vivo:
O avatar Satiko, versão digital da apresentadora Sabrina Sato, criado pela BiobotsTec, participou da palestra, interagiu com o comitê e mostrou o estado atual da IA na tradução de textos, interagindo em inglês, francês, e até um pouco de Indonésio. A qualidade das falas geradas pela IA para o avatar foram aprovadas pelos intérpretes presentes, demonstrando boa qualidade. Porém, não eram geradas em tempo real, e mais uma vez partiam de um prompt de texto, e não de uma tradução simultânea.
O evento PRIMS on AI, em Bali, nos deixou com insights profundos, sobre como navegar neste cenário tecnológico, os intérpretes não devem temer a ascensão da IA, mas abraçá-la como colaboradora. Estamos na vanguarda de um movimento onde a expertise humana não está apenas na precisão linguística, mas também na preservação da essência da expressão humana, com todas as suas nuances.
E como disse o CEO da OpenAI, Sam Altman, durante o World Economic Forum: “Não espere mais do que a IA pode fazer”. Pelo menos, por agora.
* Ney Neto cultiva colaborações significativas com líderes influentes, marcas renomadas e organizações conceituadas.
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