O fracasso olímpico brasileiro

Amir Somoggi é diretor da Sports Value, especializada em marketing esportivo, gestão de clubes e valuation

Amir Somoggi, Sports Value

Em menos de 20 dias, começam os Jogos Olímpicos de Paris. Preparei uma profunda análise do que chamo de o “fracasso olímpico brasileiro”.

Muitos estudos já foram realizados sobre os impactos dos Jogos Olímpicos para o país anfitrião e como o evento ajudou na construção de uma cultura esportiva.

A Sports Value realizou um estudo profundo sobre os investimentos realizados pelos países ao longo dos tempos para receber os Jogos Olímpicos e cruzou os dados com informações que vão muito além do quadro de medalhas.

Isso permitiu chegar a conclusões interessantes. As Olimpíadas são altamente custosas e não se pagam em conquista de medalhas.

Essa visão absolutamente míope de busca incessante de medalhas é praticada há décadas pelo COB e confederações e pelo governo federal, o maior investidor dos esportes olímpicos aqui –quer dizer, o contribuinte brasileiro.

As medalhas são resultado do sucesso de um plano ambicioso de prática massiva de esporte pela a população e a identificação de jovens talentos. Países usaram o evento para impulsionar um projeto esportivo nacional.

Dados em estudo

Medalhas são consequência de um projeto de longo prazo

O desempenho do Brasil em Tóquio 2020 –embora tenha sido o melhor resultado da história, com 21 medalhas no total, sendo 7 de ouro e um 12º lugar no quadro de medalhas– na realidade é um grande fracasso. O país não conseguiu, a exemplo de outras nações, usar as Olimpíadas em casa como impulsionador de sua força esportiva.

A entrada de novas modalidades, como o skate e o surfe, ajudaram muito a equipe brasileira. Poderíamos ter ido pior. Não devemos nos iludir: nosso projeto esportivo é um fiasco frente ao total de investimento que realizamos todos os anos.

O Brasil vai muito mal ou aquém do potencial em modalidades fundamentais, como natação, atletismo, basquete, handebol, judô, lutas, polo aquático e futebol feminino.

Quase sempre os medalhistas olímpicos brasileiros trazem consigo histórias de superação, custeio da carreira do próprio bolso e muito empenho. Dificilmente o sucesso é sistêmico.

Não há um sistema que efetivamente contribua para a massificação da prática esportiva, detecção constante e ampla de novos talentos e estrutura para treinamentos em larga escala.

Nunca houve um projeto concreto de nação esportiva para o Brasil. Rio 2016 consumiu quase R$ 60 bilhões em infraestrutura esportiva (R$ 85 bi em valores atualizados) e não alterou o cenário.

Brasil: Um país de sedentários

Dados da OMS (Organização Mundial da Saúde) e do próprio Ministério do Esporte do Brasil indicam que mais da metade dos brasileiros está 100% inativa –ou seja, não praticam nenhuma atividade física.

O IBGE traz dados ainda mais assustadores: a taxa efetiva de praticantes de atividade física no Brasil é de apenas 38%, sendo 43% para homens e 33% para mulheres.

Segundo cálculos da Sports Value, uma mulher sueca pratica 3 vezes mais esportes do que uma brasileira.

Dados obtidos em estudo

O Brasil é hoje um dos países com mais sedentários do mundo, líder na América Latina. E isso acabou gerando um aumento significativo de problemas de saúde da população, especialmente a de menor renda, os mais inativos.

As causas mais comuns de morte no Brasil são relacionadas a doenças evitáveis, adquiridas pelo péssimo estilo de vida sedentário e pela má alimentação. São as doenças do sistema cardiovascular as que mais consomem recursos do SUS. O gasto anual do SUS no Brasil é de aproximadamente R$ 160 bilhões.

Mas ao mesmo tempo, Brasil gasta cada vez mais recursos públicos com esporte.

Obtenção de dados por estudo

Conforme José Manuel Franco, presidente do Consejo Superior de Deportes da Espanha, em entrevista à revista Capital, cada euro investido em atividade física na sociedade economiza 15 outros euros em gastos públicos com saúde.

A prática esportiva da população, dando ênfase à população mais carente, com baixo acesso a clubes e academias, é o único caminho para o Brasil mudar e se transformar em potência olímpica.

Por fim, o projeto esportivo de uma nação resulta em medalhas quando o país investe pesado na qualificação de professores de educação física para a detecção de talentos.

Quanto mais sedentário o Brasil estiver, menor a chance de medalhas em Jogos Olímpicos. Resolver essa questão deveria ser o foco do dinheiro público no esporte brasileiro.

Todos os países que criaram um projeto estratégico para o esporte observaram um aumento na conquista de medalhas.

O Brasil investiu muito, mas o desempenho em Tóquio 2020 já mostra que não seguiu a boa performance de outros mercados. Em Atlanta 1996, obtivemos 15 medalhas. O crescimento em 25 anos foi mínimo, mesmo depois de bilhões gastos em recursos públicos.

Países que construíram um projeto estratégico para o esporte colheram benefícios esportivos em Jogos Olímpicos e campeonatos mundiais.

Investimentos públicos em esporte precisam impactar em mais prática esportiva da população. Esse trabalho sério é que resultará em mais medalhas.

A redução do sedentarismo e modelo estruturado de captação de talentos são os caminhos para a transformação de países em potências olímpicas.

O Brasil gasta cerca de R$ 3,1 bilhões por ano em recursos públicos anuais no esporte, e investiu US$ 14 bilhões em infraestrutura esportiva para a Rio 2016, tem uma das populações mais sedentárias do planeta e sempre tem desempenho fraco nas Olimpíadas.

E um excesso de gastos em um modelo arcaico e sem retorno efetivo para o país.

O COB, confederações nacionais, federações estaduais e governos são responsáveis por essa gastança de recursos públicos e pela população cada vez mais sedentária e doente. Com isso, seguimos com desempenho pífio em Jogos Olímpicos.

Dados em estudo

* Amir Somoggi é diretor da Sports Value, especializada em marketing esportivo, gestão de clubes e valuation.

* Confira o estudo completo da Sports Value em anexo: 

Fonte: Poder 360