Os Eventos, em 2010

Reprodução da palestra ministrada pelo professor Domingo Hernandez Peña, no evento da ABEOC- SÃO PAULO: Em Direção ao Futuro, realizado no último dia 09 de dezembro, no Maksoud Plaza.

  

O mundo mudou. Está mudando. E há coisas que, pela sua importância e transcendência, obrigam a repensar tudo sobre os Eventos, como atividade empresarial e como setor econômico:

 

  1. O desenvolvimento depende cada vez mais da demanda criada (do consumo acumulativo) de bens e serviços, e cada vez menos da demanda natural ou essencial (da necessidade básica).
  2. Os mercados já não são territoriais, nem pré-definidos. São difusos e confusos.
  3. 3 a - Qualquer coisa útil pode ser vendida, em alguma medida, grande ou pequena, em qualquer lugar. Se não houver conhecimento ou necessidade prévia, se criam, implantam e desenvolvem.
  4. A comunicação já não é necessariamente unipessoal ou unidirecional. Agora, qualquer mensagem digital pode ser universal e instantânea.
  5. A relação entre a oferta e a demanda, entre a produção e o consumo, é cada vez menos continuada e estável (menos "fiel"), e cada vez mais ocasional ou eventual (mais "oportunista").

 

Estamos dizendo (querendo dizer) que o progresso econômico, em 2010, depende em essência da aproximação eventual de ofertas e demandas, de forma criativa, em todo tempo e lugar. Ou seja, de que haja ou não haja Eventos...

 

No caso do Brasil seria possível oferecer comparações assustadoras. Sem o consumo acumulativo atual (sem o carro novo, a segunda geladeira, o dormitório mais bonito, o computador de última geração) a Economia do País mostraria hoje os mesmos níveis de desenvolvimento dos anos 50 ou 60. Mas isso, que é relativo, se torna determinante quando se demonstra que, hoje, de fato, 10% (dez!) de todos os bens e serviços consumidos no Brasil é o resultado direto ou indireto da demanda criada pelos Eventos...

 

Da demanda que não existiria se não existissem os Eventos...

 

E não estou falando (...) da demanda de bens e serviços brasileiros que os Eventos poderiam criar fora do Brasil.

 

Os Eventos são, então, no Brasil de 2010, um poderoso instrumento para o desenvolvimento da Economia em seu conjunto. Por que, então, sendo isso verdade, todos nós temos a idéia de que os Eventos são uma simples ferramenta turística? A Economia Turística é mais importante que a Economia em geral? Desde quando?

 

O que estou perguntando é importante. Quando pensamos nos Eventos como coisa simplesmente turística, estamos pensando em trazer turistas. Quando pensamos nos Eventos como coisa econômica, também estamos pensando em levar produtos e serviços: em exportar... O Brasil emergente pode esquecer a Exportação? Por que não fazer Eventos lá fora, além dos que fazemos e podemos fazer aqui dentro?

 

Se for verdade que um evento não é outra coisa que um empreendimento econômico eventual, um evento pouco tem a ver, em princípio, com o Turismo. O Turismo precisa dos Eventos, é certo, como precisa dos Hotéis e dos Transportes, por exemplo. Mas nem por isso os Eventos são Turismo. Entre outras coisas, porque, de momento, a Economia que move os Eventos (o conjunto dos Eventos) é, no Brasil de 2010, infinitamente maior que a Economia que move o Turismo.

 

Aliás, 75% dos Eventos realizados no Brasil não têm nada a ver com o Turismo, nem na forma nem no fundo, pela simples razão de que são empreendimentos pensados, programados e organizados para atender ofertas e demandas radicadas num mesmo lugar. Ou será que não e um evento um jogo no Morumbi, entre o São Paulo e o Corinthians? E um concerto de Roberto Carlos, no Ibirapuera, só para as paulistanas e os paulistanos, não é um evento?

 

Não estou sugerindo, não, de forma nenhuma, que os que pensam que os Eventos são Turismo comecem a pensar de outra maneira. Não. Estou afirmando que, se além de liderar os eventos especificamente turísticos, alguém liderasse também os eventos de caráter geral, esse alguém teria neste País um imenso poder de representação e de influência... Por que não pensar, agora, já, aqui mesmo, nessa ambiciosa possibilidade?

 

Quando a Setor dos Eventos duvida de si mesmo e permite a sua colonização pelo Turismo ou pelo Marketing (coisa que, por desgraça, também esta acontecendo) o Setor dos Eventos está cometendo um erro grave, histórico, com gravíssimas conseqüências, a médio e longo prazo.

 

Porém, nada acontece par acaso. E a confusão entre Eventos e Turismo, entre Turismo e Eventos, tem uma história que vale a pena ser contada, e que quero contar aqui, com licença de vocês, para que possamos entender de alguma forma a mistério que nos levou a preferir a economia pequena, e não a grande:

 

O homem que mais entendeu de Eventos na América Latina, e que melhor compreendeu que o Brasil não pode progredir dependendo unicamente da demanda natural e do consumo primário, chamava-se Caio de Alcantara Machado. Lembram dele?

 

E acontece que Caio nunca pensou que um evento pudesse ser outra coisa que um evento: um instrumento econômico para produzir riqueza, criando demanda e incrementando a consumo de tudo (tudo!), em todo o País. Pelo Turismo Caio não perdia a sono, porque entendia que a Turismo era coisa secundaria e lenta, e que o Brasil precisava de soluções transcendentes, gerais e urgentes. E, com essa idéia quase patriótica na cabeça, pensou no que ninguém tinha pensado seriamente até então. Caio pensou nada mais e nada menos que no Centro de Convenções Anhembi, assim chamado e conhecido, até que a difícil questão financeira se complicou, e foi preciso criar uma nova sociedade, controlada pela Prefeitura, que alguém decidiu chamar Anhembi Eventos e... Turismo. Foi então, e desse jeito, que começou historicamente a confusão que ainda afeta ao setor dos Eventos, que magnifica sem lógica nenhuma a importância do Turismo, e que a mim, de verdade, me faz sofrer como profissional, como empresário, e como simples cidadão...

 

Dito isso com todos os respeitos, peço licença para dizer mais algumas coisas:

 

  1. Muitas empresas do Setor Brasileiro dos Eventos (muitas), que trabalham como simples intermediarias, ou como simples agenciadoras, poderiam incrementar bastante sua importância e seu lucro, se entendessem e reconhecessem que o grande negócio esta na programação e na realização de eventos próprios, com iniciativa própria e com calendário próprio. As possibilidades são infinitas. A concorrência é, e seria sempre, pequena. Os três grandes clientes (enormes) chamam-se País, Sociedade, e Mercado...

 

  1. No Brasil, onde os Eventos são uma questão de ser ou não ser, não existe um Calendário Geral de Eventos que abranja todo o País, todos os Estados, todos os setores econômicos, e todos os interesses legítimos em jogo. Sem esse Calendário, que por si só seria um negócio magnífico, além de fácil, o Setor dos Eventos simplesmente não poderá consolidar-se, porque não será possível demonstrar com precisão a sua importância e a sua diversidade. (Não esqueçam, por favor: se os Eventos estivessem liderados pela Economia, e não pelo Turismo, esse Calendário Geral já existiria).

 

  1. Sem a consolidação previa do Setor Brasileiro dos Eventos, os grandes eventos de 2014 e 2016 podem acabar para sempre com a idéia de que este País necessita de mais e de melhor demanda criada, para poder seguir progredindo. Pois o custo desses eventos será gasto, e não investimento, e o gasto inútil, sem continuidade nem efeito multiplicador, só serve para produzir subdesenvolvimento, tanto na África do Sul como no Rio do Complexo do Alemão... O que pode acontecer já aconteceu em Sevilha em 1992, e, no México, mais de uma vez: grandes eventos (incrível!) sem a participação destacada do setor dos Eventos; infra-estruturas faraônicas que depois se deterioram, nas mãos da política, da incompetência, e do oportunismo...

 

  1. Se o Setor Brasileiro dos Eventos não recupera com urgência a sua autonomia, e continua confundindo-se com o Turismo e com o Marketing, acabara (já esta acabando) exatamente como acabou a Hotelaria Brasileira, pelos mesmos e exatos motivos. A Hotelaria Brasileira brincou tanto com o Turismo, tanto, durante tanto tempo, que acabou perdendo a sua identidade, e, sem identidade própria, sem auto-estima, foi engolida por completo pela Hotelaria Internacional. Até o simbólico e querido Copacabana Palace, uma relíquia brasileira tombada por lei, foi vendida e revendida, como se fosse um imóvel qualquer sem história e sem significado. Pergunto e acabo: nós todos, aqui reunidos, vamos permitir, por falta de lógica e de estratégia, que o Brasil também perca a propriedade e o controle dos seus Eventos?

*Domingo Hernandez Peña é professor, jornalista, pesquisador, detentor do título de Honóris Causas da Universidade Anhembi-Morumbi, e membro titular correspondente da Academia Brasileira de Eventos.