Tenho a impressão que discutimos o sexo dos anjos, tal é a fragilidade e inconsistência dos argumentos apresentados. Um exemplo disso está embutido na própria razão da contenda. Pergunta-se o que é melhor para o consumidor, mas, qual consumidor? Ou será que os envolvidos nessa discussão ainda vivem no tempo do bom e velho consumidor que se encaixava neste ou naquele perfil? O consumidor de hoje é multifacetado, não pode ser descrito com nenhum rótulo que conhecemos, pois muda tanto de opinião e comportamento que fica impossível enquadrá-lo. Suas escolhas dependem de fatores pessoais, como o tipo de viagem, o tipo de serviço que pretende comprar, a data, a antecedência, a grana que tem disponível, e até de fatores imponderáveis, como o momento psicológico em que se encontra, o nível de influência que está disposto a aceitar e, porque não dizer, até do acaso. Para compreender melhor esses processos vale a pena ler o artigo de Walter Longo sobre a era pós-digital (http://www.walterlongo.com.br/images/walter-longo-arquivo-20140312102605-1957989_147577258596.pdf), para quem se interessar em ler na íntegra. Esta leitura nos obriga a refletir sobre as diferenças entre armas digitais e ALMAS digitais. É preciso compreender o caráter efêmero das novidades. O que era indispensável ontem, já nem existe hoje, pois foi ultrapassado por alguma nova forma de fazer ou pensar. Num cenário destes como podemos decidir com seriedade se é melhor comprar viagens numa agência tradicional ou numa digital? A resposta parece óbvia, mas não se iludam, é cheia de truques. Um caminho possível para lidar com a questão, seria começar por dar mais importância às perguntas do que às respostas! Por exemplo, o cliente precisa comprar uma volta ao mundo com a família, produto que exige grande conhecimento e experiência do seu agente de viagens, ou está em busca de uma ou duas noites de hotel em determinada cidade? Ambos são produtos (serviços) encontrados em agências de viagens, mas, no segundo caso, será que o cliente vai ligar para uma agência física e solicitar a reserva? Duvido. Como qualquer garoto de oito anos já sabe, é muito mais fácil fazer isso do próprio smartphone. Argumenta-se em favor das agências tradicionais que, em caso de problemas, o cliente das OTAs não tem a quem recorrer, fica por sua própria conta, enquanto numa agência offline teria pronto atendimento e seu problema resolvido. Para dizer o mínimo, é pura ingenuidade. Quem me atende na agência de bairro às 4 da manhã estando eu do outro lado do mundo, por exemplo? E de que problema estamos falando, cara pálida? Alterar a data da reserva? Chegar ao hotel e não encontrar a reserva feita pela internet? Não bastaria imprimir o comprovante, ou exibir a tela do tablet ou celular, e provar que a reserva foi confirmada e que o problema é do hotel e não nosso? Seria diferente em quê se eu chegasse à recepção munido de um voucher de agência e um número de telefone de um país distante? Além disso, se fizer a reserva por uma OTA confiável ( e é certo que as há), não perceberam que há um telefone ou e-mail para tirar dúvidas e resolver problemas, e há o contato do hotel, há até a confirmação dada pelo próprio meio de hospedagem! Simples assim. Eu mesmo cansei de fazer isso na minha última viagem ao exterior. Tive um problema de cobrança indevida de taxa de cancelamento, que foi resolvido por e-mail em vinte e quatro horas, tudo da tela do meu celular. E por que razão confiamos em ir para um aeroporto sem nenhum documento de passagem, compramos o bilhete e fazemos o checkin pela internet, e nunca ouvi um agente de viagens dizer que isso não é seguro? Convenhamos, a quem estamos querendo enganar com essa discussão tola? Sabem quando o cliente pessoa física vai voltar a perambular pelo bairro ou pela lista telefônica em busca de uma agência de viagens? No dia em que isso volte a significar uma vantagem efetiva e concreta, ou seja, nem Deus sabe quando!
A verdade é que somos todos seres digitais, até mesmo aqueles que defendem com tanto afinco a supremacia das agências off-line. Até esses já devem ter usado a internet para consultar e mesmo adquirir algum serviço. É claro que há nichos como a gestão de viagens corporativas, o segmento MICE e outros, mas não será sintomático que sejam esses mesmos nichos os pioneiros no uso de avançadas tecnologias? Na utilização intensiva do mundo digital para antecipar os desejos de seus clientes e superar suas expectativas? Então estamos discutindo o quê exatamente? Se ter uma agência física é melhor do que ter uma digital? É puro nonsense! É uma discussão deslocada no tempo. Isto quer dizer que eu estou do lado das OTAs e contra os agentes de viagens off-line? Não, claro que não. Estou relatando fatos, e eles são teimosos. Este é o comportamento do consumidor de hoje (ou era o de ontem, pelo menos, pois pode já ter surgido outra forma de consumo neste meio tempo). Os agentes de viagens precisam encontrar argumentos mais consistentes para defender seu modelo de negócio, ou, mudar seu modelo de negócio. Vão encontrar dificuldades, isso é certo, mas não há como escapar do inescapável. Minha sugestão é que ignorem o atual conceito de “estou na internet ou não estou na internet” e percebam logo que não estamos mais na internet, SOMOS a internet. Hoje em dia ninguém mais diz “vou entrar na internet”, isso é coisa de um passado distante (uns 5 ou 6 anos atrás), hoje a vida acontece online, e se passamos alguns minutos desconectados ficamos tão desorientados como nossos pais num apagão. O mundo é um só, e não se divide em online e off-line. A vida é digital e não é por isso que deixa de ser humana. Pelo contrário, a conectividade aproxima pessoas, pois é capaz de mantê-las em contato permanente, independentemente da distância a que se encontram! Sabemos o que nosso amigo almoçou, se está doente, se passou no exame, que lugares visitou. Num toque de dedos sabemos tudo sobre todos, e isso inclui o nosso cliente. Na era pós-digital não há fronteiras, nem distâncias, nem idiomas, nem barreiras. Isso nos deixa mais próximos, mais iguais, mais HUMANOS. Se a sua agência não é capaz de lidar com esse novo universo, então, meu caro, talvez você não tenha uma agência, mas um pesadelo do qual urge acordar. Repito: não me refiro àqueles que já perceberam que a tecnologia é parte indissociável de nosso dia a dia, mas aos desatentos que insistem num modelo de negócio que já foi velado e enterrado há muito.
Com base no que escrevi acima foi constrangedor presenciar, num evento recente em São Paulo, um “debate” entre representantes de agências off-line e online. O clima era surreal! Ferrenhos adversários nos negócios agindo como pacatas viúvas no chá das cinco, da liga das senhoras católicas. Todo mundo cumprindo sua obrigação institucional, sem ousar dizer claramente o que pensava. Tudo muito educado, muito correto, muito chato. O filósofo Luís Felipe Pondé, com o jeitão debochado que lhe é característico, define com perfeição este tipo de comportamento e só assim ele pode ser perdoado e compreendido. Pondé afirma que: “só pessoas muito mal educadas podem dar-se ao luxo de ser sinceras o tempo todo”. É curioso, mas para viver em sociedade está claro que precisamos, cada vez mais, recorrer à mais antiga tecnologia que se conhece para a convivência pacífica: a hipocrisia. Sem ela não há sociedade, digital ou analógica, que permaneça civilizada!
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