Na maior festa popular do Brasil, o Carnaval, há eventos para todos os gostos, bolsos e propósitos.
No intuito de identificar e, assim, liberar o usufruto de uma série de vantagens e benefícios em determinados ambientes, os abadás foram introduzidos na festa de Momo.
Compreende-se como abadá, uma palavra que tem origem na língua yorubá uma peça de roupa, originalmente, usada por capoeiristas e foliões de carnaval.
A partir da década de 70, no carnaval baiano regado ao movimento de contracultura surge entre pierrôs, palhaços e mascarados, a figura "dark" das "mortalhas".
A moda era sair fantasiado de morto. Uma fantasia irreverente que sintonizava aqueles tempos; o fúnebre da mortalha contrastava com a alegria e a liberdade da festa; era proibido proibir; tudo era permitido, menos o óbvio.
As mortalhas, geralmente nas cores preta, vermelha ou branca, ostentavam cruzes no peito e nas costas. Também fazia parte da fantasia um capuz que logo seria abolido com a proibição imposta pelo governo militar de se brincar mascarado.
Anos depois, essas fantasias, que de mortalha só tinham o nome, já não combinavam com novos tempos do país, pois eram feitas de muito pano, compridas e muito quentes frente ao calor intenso do verão. E a partir desse momento, no início dos anos 90 apareceu o abadá carnavalesco: uma peça muito leve, com mangas cavadas, e bem ventilada.Na realidade, uma mortalha mais curta e acompanhada de peças como shorts e saias na parte de baixo.
Na febre dos camarotes das passarelas do Samba, a indumentária ganhou nova perspectiva, já que, inicialmente, àqueles que as ostentavam eram considerados Very Important People (VIP). Outrora, receber um abadá para vivenciar as regalias de um espaço privilegiado era sinônimo de importância e prestígio. Hoje nem tanto... em função de sua mega característica comercial, fonte de receitas.
O próprio nome Camarote vem do conceito teatral tradicional, onde designava, e até hoje designa em projetos arquitetos mais clássicos, os compartimentos acima da plateia, sendo um local separado da pista e assim percebido como especial e privilegiado. Sua idealização parte da ideia de oferecer uma série de comodidades que incluem vista excepcional dos desfiles das escolas de samba, serviços de bar e comida, segurança, entretenimento e muitas conexões.
E nesse rastro, as marcas que sempre buscaram associar sua imagem a esses tipos de eventos perceberam o potencial de usar a vestimenta como uma espécie de credencial para expor seus patrocínios e apoios e, assim reverberar explicitamente seus investimentos, atrelados as imagens de celebridades, intelectuais, políticos, etc.
Como o abadá, a camiseta era o convite, quem era felizardo teria que ficar perambulando com ela o tempo todo e ao posar para fotos e registros, a marca ganharia também os flashes, aumentando o ROI realizado. Uma bem articulada estratégia de marketing e comunicação para as empresas, o que facilitava e muito a venda de cotas.
Logo, a customização chegou. Os próprios camarotes ofereciam esse serviço, com delicadeza e cautela. A transformação da peça virava regata, blusa de um ombro só, minivestidos, gola canoa, colava pedrarias, aviamentos coloridos, plumas, sem perder a identidade da marca, usando quase todo o tecido. Criatividade não faltava, mas as marcas ainda estavam em destaque.
Hoje em dia os abadás estão sendo usados como coleira, pano de cabeça, cinto, fita de pulso, botton, faixa de perna entre outras inventividades na busca frenética por gerar impacto. As marcas são retalhadas e desaparecem. Não há mais a obrigatoriedade de sua exposição plena... qualquer referência vale a entrada.
Já presenciei a camiseta virar calcinha, com a marca do patrocinador em plena genitália de sua usuária... O cliente quase infartou quando soube.
Na atualidade para as pseudocelebridades e influenciadores digitais, a monetização é o lema. Todos querem ser convidados, mas não querem associar sua imagem à imagem de terceiros, sem diretamente ter um ganho financeiro.
Esquecem que alguém tem de pagar a fatura final. Não há almoço grátis. Os investimentos para promover a experiência premium, desejada por muitos demanda recursos. As marcas que validam seus patrocínios nessa ação, precisam também receber algo em troca. Pura teoria da reciprocidade. É uma simbologia de orquestra, todos em sintonia, formando um resultado só. Porém quando há a quebra dessa sinergia, a situação se complica. E a conta fica em aberta.
E há ainda uma outra questão: Os tecidos cortados e jogados fora estão colaborando ainda mais para a poluição têxtil do planeta.
Temos de refletir e avaliar novos caminhos. Do jeito que está, só estamos tendo perdas.
E nem tudo acaba na quarta-feira de cinzas! Vamos pensar sobre???
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