Queridos leitores, pelo fato de o Caio adorar uma boa mesa, e ser um excelente garfo, jamais se conformou de São Paulo não ter uma Escola de Gastronomia, e nem ao menos um curso de culinária. Nesses anos de 1960, começava a ser aceso ainda em fogo baixo, o desejo das donas de casa por esse tipo de conhecimento e Caio como sempre enxergava o que ninguém via, apostou que se ele introduzisse nas UDs, “Cursos de Culinária” essa moda iria pegar. Voou para a França e contratou o chef de cozinha da Air France, monsieur Jacques Morel, para dar aulas de culinária. Espalhou anúncios em todos os jornais, revistas, radio e TVs que monsieur Morel ensinaria as mulheres brasileiras a mexer as panelas, temperar os assados com o “bouquet garni”, preparar um delicioso “boeuf bourguignon”. Isso foi o suficiente para que a fila para a inscrição do Curso do “monsieur” na Alcantara Machado, chegasse quase na Av Angélica.
Desnecessário dizer que o sucesso foi retumbante e que daquele ano em diante toda dona de casa que se prezasse ficava de olho na UD, para fazer os tais cursos e receber o certificado dos cozinheiros internacionais. Em outra UD, Caio também trouxe de Paris, a Diretora da Escola de Cozinha do “Maxim’s Academy”, a Condessa Toulouse-Lautrec. Os jornais anunciavam que nesse maravilhoso curso, as participantes poderiam tomar notas da receita, como também iriam poder provar os pratos internacionais feitos pela Condessa.
A Condessa Toulouse-Lautrec era uma das chefs mais prestigiadas da Europa e o restaurante no qual trabalhava, o Maxim’s de Paris, no nº 3 da Rue Royale, foi durante as décadas de 1950, 1960 e 1970 o restaurante mais famoso do mundo. Fundado em 7 de abril de 1893, era frequentado pela realeza europeia e nas suas mesas se sentavam o rei Eduardo VIII da Inglaterra, Marcel Proust, Greta Garbo, Santos Dumont, Louis Cartier, Gustave Eiffel e o “jet set” internacional, milionários, astros de Hollywood, presidentes, e políticos importantes. Em 1981, o restaurante seria vendido para o costureiro Pierre Cardin.
Para a IV UD Caio novamente contratou a Condessa de Toulouse-Lautrec, que chegou no Pavilhão do Ibirapuera pela manhã, direto do Aeroporto de Congonhas, tendo seu avião pousado primeiro no Galeão e em São Paulo às 10:30h. Caio chamou seu motorista mais cedo, porque queria chegar com folga para recebê-la. Novamente ficou encantado com aquela senhora elegantíssima, de olhar vivaz, que se perfumava de juventude. Por mais que Caio quisesse imaginar qual seria sua idade, achou impossível descobrir quantos anos tinha essa senhora. Sua jovialidade e paixão pelo que fazia a deixava com certeza muitos anos mais nova. A Condessa usava um vestido estampado sobre um fundo azul, e um chapéu marrom que lhe asseguravam um ar nobre, independentemente do seu título. Assim que chegou perto do Caio, foi logo estendendo-lhe a mão, mostrando-se feliz por tê-lo encontrado novamente. Caio mandou o seu motorista se dirigir para o Hotel, mas teve o bom senso de antes avisá-la para onde estavam indo, mas a Condessa preferiu ir direto para a Cozinha Experimental da UD para verificar se tudo estava como ela havia pedido. Na Cozinha, já estavam lá desde cedo três cozinheiras ajudantes cortando, picando, separando, fervendo, preparando o que tinha sido pedido e uma tradutora a postos, cujo trabalho seria intenso, porque além de traduzir as aulas, estavam agendadas várias entrevistas para revistas e canais de televisão. Caio mostrou para a Condessa a lista das 100 pessoas inscritas, e escutou um doce “Voiàla! .... Mom Dieu!”.
Caio sentou-se na primeira fila para assistir a aula. Embora nunca tivesse chegado perto de um fogão, e sempre brincava dizendo que era capaz de queimar até água, ele tinha um paladar afiado como de um verdadeiro chef. A comida era um dos assuntos mais importantes da sua vida, estar ali sentado era um prazer indescritível, além de ser uma grande honra.
De traz do palco surgiu a Condessa, e como uma grande celebridade que era foi aplaudida de pé. Caio ficou impressionado com a mudança daquela dama, e gora vestida de “chef”. Sua cabeça e rosto ficaram pequenos debaixo do chapelão branco, seu dólmã branco tinha uma fileira de botões pretos do lado direito, e do lado esquerdo lia-se o seu nome bordado, e em baixo dele o nome da “Maxim’s Academy”. Por baixo do seu comprido avental, ela vestia uma calça comprida larga, xadrez preta e branca e um sapato preto fechado, cuja gaspe cobria o peito dos pés, tinha uma sola grossa que dava a impressão de ser muito pesado. Só depois que o Caio veio a saber que eram sapatos muito especiais feitos com solas muito leves e antiderrapantes.
A Condessa ia ensinar à plateia preparar três pratos: “Souflé du Fromage aux Oeufs Pochés”, “Cotes de Veau Persillées” e “Gateau Verdonnet”. Mal a Condessa havia começado, ela sem querer cometeu um engano no preparo do primeiro prato, colocou um ovo inteiro onde só pretendia usar as gemas. Explicou o que ocorrera e provocou exclamações de espanto na assistência, seguida de uma salva de palmas. A aula foi um sucesso e lá mesmo Caio recebeu pedidos para trazê-la nas próximas UDs
A Condessa contou que ele institui o dólmã branco, para aparecer qualquer sujeira e que fosse confeccionado com duas camadas de pano na frente para proteger o chef de possíveis acidentes com fogo ou líquidos quentes, o avental em volta da cintura até o pé, também é para proteger o chef, o lenço em volta do pescoço é usado para aparar o suor e o sapato fechado é para proteger o chefe dos líquidos quentes que eventualmente possam cair em cima ou mesmo para evitar que uma panela voe do fogão e caia nos pés do chef. E quanto ao sapato com sola antiderrapante é fundamental para evitar que o chef escorregue e caia no chão. Por fim o chapelão branco, continuou a Condessa “que na França é chamado de “ Le Toque Blanche”, Carême o concebeu assim, para facilitar o reconhecimento por todos na cozinha de quem está no comando.
Caio já estava sentindo saudades daquela maravilhosa senhora quando foi deixá-la no Aeroporto. Quando ela virou para trás e acenou dando-lhe adeus, Caio torceu para que no ano seguinte ele tivesse dinheiro para trazê-la de volta.
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